29 de setembro de 2012

* Evangelho de Jesus Cristo segundo São Marcos 9, 38-43.45.47-48.



Naquele tempo, João disse a Jesus: “Mestre, vimos um homem expulsar demônios em teu nome. Mas nós o proibimos, porque ele não nos segue”.

Jesus disse: “Não o proibais, pois ninguém faz milagres em meu nome para depois falar mal de mim. Quem não é contra nós é a nosso favor.  

Em verdade eu vos digo: quem vos der a beber um copo de água, porque sois de Cristo, não ficará sem receber a sua recompensa. 
E, se alguém escandalizar um destes pequeninos que creem, melhor seria que fosse jogado no mar com uma pedra de moinho amarrada ao pescoço. 

Se tua mão te leva a pecar, corta-a! É melhor entrar na Vida sem uma das mãos, do que, tendo as duas, ir para o inferno, para o fogo que nunca se apaga. 

Se teu pé te leva a pecar, corta-o! É melhor entrar na Vida sem um dos pés, do que, tendo os dois, ser jogado no inferno. 

Se teu olho te leva a pecar, arranca-o! É melhor entrar no Reino de Deus com um olho só, do que, tendo os dois, ser jogado no inferno, 48‘onde o verme deles não morre, e o fogo não se apaga’”. 


- Palavra da Salvação.
- Glória a Vós, Senhor!

O evangelho deste XXVI domingo do tempo comum, continuando a narração do último domingo, apresenta-nos Jesus, em Cafarnaum, a instruir os seus discípulos nos valores do Reino. 

Jesus caminha em direção a Jerusalém, ao seu mistério pascal. Contudo, os discípulos não querem que Jesus siga o caminho da Cruz. Preferem que Jesus siga o caminho do messianismo político e triunfante, mais de acordo com as suas expectativas de poder e grandeza. 

Vimos, no Domingo passado, como enquanto Jesus falava de dar a sua vida na cruz os discípulos só pensavam em quem seria o maior. Jesus, com a sua pedagogia e na intimidade do lar, tentou corrigir as suas falsas expectativas através do seu ensinamento sobre o serviço e o convite a acolher as crianças.

No entanto, os discípulos não assimilaram o ensinamento de Jesus. Os discípulos continuam a desejar o prestígio e a grandeza como nos mostra o comentário de João a Jesus, no início do evangelho deste dia: “Mestre, nós vimos um homem a expulsar demônios em teu nome e procuramos impedir-lho, porque não anda conosco”. 

Este comentário mostra como os discípulos ficaram perturbados por não serem os únicos a realizar obras de salvação. Na verdade, importados como estavam em serem os primeiros, os maiores, os discípulos sentem-se ameaçados por esse homem fora do grupo que expulsa os demônios em nome de Jesus e que pode entrar na disputa dos primeiros lugares no reino que Jesus veio instaurar.

Recorda-nos esta situação a primeira leitura deste dia do livro dos Números. Depois de Moisés se ter lamentado a Deus da dificuldade que tinha em conduzir o povo rebelde em direção à terra prometida, Deus propôs-lhe escolher setenta anciãos que, depois de terem recebido a força do Espírito, o ajudassem na condução do povo. 

Moisés aceitou a proposta de Deus e os setenta anciãos escolhidos por Moisés receberam o dom do Espírito, uma parte do Espírito que repousava sobre Moisés, para o ajudarem na difícil tarefa da governação daquele povo rebelde. No entanto, esta história termina com algo inesperado. 

Na verdade, dois dos setenta escolhidos, Eldad e Medad, não estavam com os outros na Tenda quando receberam o Espírito mas tinham ficado no acampamento. No entanto, também sobre estes dois desceu o Espírito e também eles começaram a profetizar. 

Josué, ao saber do sucedido, pediu que Moisés os proibisse pois isso era um abuso. No entanto, Moisés, o homem livre do desejo de poder e de monopólio e que só se preocupa com o bem do povo responde à indignação de Josué com o seguinte desabafo: “Estás com ciúmes por causa de mim? Quem dera que todo o povo do Senhor fosse profeta e que o Senhor infundisse o seu Espírito sobre Eles”.

Semelhante reação teve Jesus para com os seus discípulos queixosos: “Não o proibais; porque ninguém pode fazer um milagre em meu nome e depois dizer mal de mim. Quem não é contra nós é por nós. Quem vos der a beber um copo de água, por serdes de Cristo, em verdade vos digo que não perderá a sua recompensa”. 

A preocupação fundamental de Jesus é o bem e a salvação do homem e não o controlo e a exclusividade dos milagres. Assim sendo, com a sua resposta Jesus quer que os seus discípulos ultrapassem o seu egoísmo e desejo de poder mesmo no que toca à missão e que reconheçam que qualquer obra em favor da justiça e do homem, mesmo que sejam feitas por pessoas fora do grupo dos discípulos, são obras boas, obras que mostram que essa pessoa está a favor de Cristo e vive na dinâmica do reino. 

Ante estas obras de libertação do homem realizadas por pessoas fora do grupo dos discípulos, os discípulos não se devem sentir ameaçados pelo fato de Espírito de Deus operar fora do grupo. Na verdade, o que conta realmente é a libertação do homem de todas as forças destruidoras. 

O verdadeiro discípulo de Cristo é aquele que se alegra por ver que há pessoas, mesmo que não sejam do nosso grupo, que lutam pela libertação do homem. O verdadeiro discípulo de Jesus é aquele que reconhece a presença salvadora de Deus nos mais variados acontecimentos. 

O que conta para Jesus e o que deve contar para os discípulos de Jesus é a libertação do homem de todas as forças destruidoras e não o monopólio egoísta e exclusivo da obra da libertação que não nos permite chegar a todos. Assim sendo, o que deve alegrar o discípulo não é a posse exclusiva da obra da libertação mas o fato de mesmo fora da Igreja haver pessoas que se esforçam e que trabalham por libertar o homem de todas as forças anti-humanas.

Depois deste episódio, o evangelista Marcos junta outros dois ditos de Jesus que visam instruir os discípulos nos valores do reino. Estes dois ditos que Marcos nos apresenta neste momento devem ter tido origem em contextos diferentes e apresentam-se com uma linguagem e imagens hiperbólicas, fortes e expressivas, característica dos pregadores da época, e que não devem ser interpretadas literalmente. O fundamental é captar a mensagem que Jesus nos quer transmitir e não nos prendermos à literalidade dos exemplos apresentados. 

O primeiro destes ditos relaciona-se com o escândalo: “Se alguém escandalizar algum destes pequeninos … melhor seria para ele que lhe atassem ao pescoço uma dessas nós e o lançassem ao mar”. 

Na nossa cultura, entendemos o escândalo como algo que revolta, ofende e fere a nossa susceptibilidade. No entanto, o verbo escandalizar, para são Marcos, refere-se à deserção do seguimento de Cristo. Assim sendo, aquilo que este dito de Jesus adverte é o perigo dos membros da comunidade poderem fazer algo que afaste alguém, especialmente os mais pequenos, do seguimento de Cristo. 

Fazer algo que afaste as pessoas de Cristo e do evangelho é algo inadmissível. No entanto, muitas vezes, com a nossa maneira concreta de atuar, podemos estar a afastar mais do que a aproximar as pessoas de Cristo. Esta é uma possibilidade real que nos deve levar a fazer um sério exame de consciência.

O segundo dito de Jesus fala da necessidade de arrancar a mão, o pé e o olho se eles forem ocasião de escândalo e assim entrar no reino do que não arrancá-los e não entrar no reino. Mais uma vez, é importante recordar que estes ditos de Jesus não devem ser interpretados literalmente mas que se deve buscar a mensagem que Jesus quis transmitir. 

A mensagem que Jesus quis transmitir ao utilizar esta linguagem hiperbólica e forte é a necessidade de tirarmos da nossa vida tudo aquilo que é incompatível com a nossa opção por Cristo e pelo seu evangelho. Sendo a mão o órgão de ação dos desejos do coração e os olhos o órgão por onde entram os desejos, o que Jesus nos pede é que sejamos capazes de atuar onde às más ações tem origem eliminando o mal pela raiz. 

Por muitos dolorosos e difíceis que sejam, há certos cortes com o mal que temos de fazer. Na verdade, se não os fizermos estamos a condenar-nos à infelicidade representada pela imagem da geena, daquele vale a sudoeste de Jerusalém onde os mortos eram sepultados e onde o lixo de Jerusalém era queimado dia e noite.

Uma das coisas com as quais temos de cortar, porque senão estamos a condenar-nos à infelicidade, como nos recorda S. Tiago, é o materialismo que muitas vezes, na sua ânsia de acumular, não exclui a prática das injustiças para com os mais pobres. S. Tiago é bem claro ao afirmar que quem tem nos bens materiais o seu deus e a sua esperança não terá acesso à vida feliz e plena que Deus nos quer oferecer e que Deus não compactuará com as injustiças, a exploração e a opressão dos pobres a que muitas vezes se recorre para aumentar a conta bancária.

Que a celebração deste XXVI Domingo do Tempo Comum seja verdadeiramente um momento favorável para todos nós arrancarmos da nossa vida todos aqueles desejos, sentimentos e ações que são incompatíveis com o Reino, a Vida plena e feliz.

Padre Nuno Ventura Martins - Homilia Dominical

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