Houve uma grande seca naquele país e as sementes foram incapazes de brotar. A fome chegou de uma vez invadindo as casas, principalmente dos mais pobres. Aos poucos os poços também foram secando e a sede fazia sofrer mais ainda o povo. Naquela calamidade as crianças e os idosos eram os mais prejudicados.
Os sacerdotes consultaram os oráculos e concluíram que seu deus ardia de raiva deles e por isto mandara aquela seca enorme. Depressa organizaram mil sacrifícios de animais, no intuito de aplacar a ira da divindade. Bem distante dali outro povo sofria com enchentes terríveis. Não parava de chover e tudo estava inundado. As plantações morreram e veio grande fome. A água suja provocava doenças e essas agravavam ainda mais o estado daqueles debilitados, de novo os velhos e as crianças. Os religiosos logo se reuniram e constataram que a enchente tinha sido enviada pelo deus deles que, da mesma maneira, estava com muita raiva do que tinham feito ou deixado de fazer, não sabiam ao certo. Por causa disto é que os punia. Juntaram todo o povo para propiciar ao deus raivoso um número imenso de sacrifícios. Dentre esses obrigaram os pais de família a lançarem na fogueira expiatória o restinho das sementes que ainda guardavam para comer e o plantio logo que chegasse o tempo bom.
Esses povos sentiam que precisavam conquistar seus deuses com oferendas, para que os amasse, não os punindo e nem os abandonando à própria sorte. Fosse só isso, mas sabemos que em várias civilizações os sacrifícios não se restringiam aos animais, vegetais e nem aos flagelos físicos. Os deuses deles eram mais implacáveis e exigiam sangue humano. Vem Jesus a nos mostrar exatamente o contrário. Deus não precisa ser conquistado. Ao contrário, é Ele que, constantemente, quer nos conquistar. Cativa-nos fazendo-se comida e bebida disponível para todo aquele que quiser se aproximar dele.
Nosso Deus é Amor e o Amor só pode desejar a felicidade do amado. Por isto Ele se dá, livre e totalmente, a nós seus filhos queridos. Faz isto, através do Filho, da forma mais simples e humana possível: como alimento. Quem é que não vai entender o sentido da comida? Eucaristia é Deus se dando como alimentação para o sustento na fé, esperança e caridade de todos nós. Até uma criança entende que sem comida e sem bebida não é possível que se mantenha vivo.
Infelizmente ainda há muita gente que tem uma visão muito intimista da comunhão. Compreendem-na e tomam-na somente numa dimensão vertical: ela e Deus. Esquecem-se de que a Eucaristia se faz em comunidade. A Eucaristia faz a comunidade da Igreja e a comunidade da Igreja faz a Eucaristia, no dizer tão simples e ao mesmo tempo tão profundo do Concílio Vaticano II. Não existe Igreja solitária. Ela, em outro dizer do Concílio, é “povo de Deus” reunido e então podemos afirmar que comer do corpo e do sangue do Cristo sem estar unido aos irmãos, na ilusão de que se está ligado a Deus, é tomá-lo em vão.
Eucaristia não é devoção. É muito mais do que isto. Por isto, não basta comungar como preceito ou mandamento. Isto é muito pouco para o cristão do Século XXI. Algo bastante pobre para quem está comprometido com o seguimento. Comungar assim dá a impressão de que se toma algo pesado e que se está cumprindo uma obrigação. Nada mais equivocado, pois o Corpo de Cristo é leve e sempre traz a alegria e a paz (mesmo em meio aos sofrimentos e tribulações).
Eucaristia também não pode ser confundida com mágica e que num piscar de olhos será capaz de transformar a realidade. Ela não protege contra ladrões, mal olhados e nem gera empregos, ou traz namorada. O que ela oferece é a força e a coragem necessária para o trabalho e a luta na criação de um mundo mais solidário, pacífico e humano, onde não mais seja preciso se proteger dos outros.
Viver a Eucaristia é viver em comunidade cuidando para que não haja ninguém descuidado ou mesmo abandonado em volta. É adquirir ânimo para a missão de fazer com que as estruturas do pecado possam ir se desintegrando e em seu lugar haja espaço e condições para que nasçam e se desenvolvam as estruturas do Reino: de serviço e bondade.
Acostumados com a Eucaristia acabamos por não nos dar conta do quão grande e poderosa ela é. Fôssemos mais conscientes da transformação que a comunhão é capaz de nos fazer, teríamos condições de criar um mundo bem mais humano, com muito mais justiça e paz. No auge de uma discussão com um ateu um padre ouviu dele algo que o faz refletir há vários anos: “Caso os cristãos acreditassem realmente que o Deus de vocês está nesse sacrário, já teriam deixado, há muito tempo, o mundo à feição do que Ele lhes delegou”.
Autor: Fernando Cyrino
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